terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Investimento Espiritual? E Eu preciso Disto?



Carlos Moreira

O executivo chegou ao restaurante esbaforido... Olhou o garçom e disse: “estou com pressa hoje... vou no self service”. Deslocou-se rapidamente e começou a servi-se das saladas...

A certa altura, chegou a uma bandeja onde estava exposto algo muito esquisito. Era uma pasta, uma espécie de suflê, mas com uma coloração marrom.

-Garçom, por favor... O que é isto?

-Comida pré-mastigada senhor.

-O que?!

-Sim, nós mastigamos antes de vocês chegarem e cuspimos de volta na bandeja.

-Que absurdo?! E tem gente que como esta porcaria?!

-Sim senhor, muita gente...

-Mas quem?

-Gente como o senhor, gente apressada, gente que não tem tempo para mastigar...

Que mundo maravilhoso este que vivemos! Tudo é muito prático, rápido. O mundo dos "instantâneos". Clica-se em um botão e algo liga; clica-se novamente e desliga! O controle remoto executa funções, o leite é integral, a comida congelada esquenta no microondas, o cappuccino dissolve na água quente, um toque e estamos na internet, a máquina libera o dinheiro da conta, o telefone nos conecta com qualquer um em qualquer lugar. Wonderful Wrold!

Você sabia que todas estas coisas foram feitas para você economizar tempo? Sim, tempo é artigo de luxo, cada vez mais escasso, cada vez mais espaço. Horas “correndo”, minutos se passando, eles “roubam” o que deveria está sendo dedicado a coisas realmente “importantes”: reuniões, negócios pendentes, e-mai, conference call, aula do MBA, curso de inglês, malhar, namorar, twittar, se bronzear, pedalar... Puxa! Quantas coisas “imprescindíveis” que podem ser seqüestradas da nossa vida se não administrarmos bem nosso precioso tempo!

1,2,3, Aterrissando... Que tragédia! Essa é a sociedade na qual vivemos... Pessoas em busca de ser gigantes profissionais, não obstante pigmeus espirituais. Preocupam-se com a carreira, o sucesso, o apartamento, o carro, as contas, a aparência, o status quo. Satisfazem-se em crescer “para fora”, materialmente, socialmente, emocionalmente, profissionalmente, existencialmente, mas estão totalmente desconexas quanto ao crescimento de suas dimensões e percepções espirituais. E com isso não estou dizendo que crescer espiritualmente não seja também “subproduto” do avanço de outras áreas de nossas vidas, mas que isto, por si só, é totalmente insuficiente para produzir “musculatura espiritual”, significação emocional, propósito social, sustentabilidade existencial.

Não sei se você já se apercebeu, mas na vida não há processo de estagnação: o que não cresce, morre! Isso significa que há muitos que já morreram espiritualmente e não se deram conta disto. São cadáveres se arrastando pela existência, centenas de milhares de “zumbis” enchendo igrejas e achando que o fato de serem membros da “confraria”, ou de seguirem meia dúzia de “regras”, dogmas e liturgias já os habilita ao céu, com translado de 1ª classe ao paraíso e passaporte para a eternidade, ou seja, estão aptos a usufruir das benesses da vida eterna. Vai nessa...

Quando olho para as Escrituras, vejo algo totalmente diferente, pois é imperioso que aquele que nasceu de novo desenvolva a nova vida na esperança da salvação. Ora, isso não acontece de forma espontânea, mas requer investimento, aperfeiçoamento, esforço, perseverança, disciplina. Talvez, e infelizmente, nossa herança “protestante e reformada” nos legou um equívoco teológico gravíssimo: a falta de entendimento sobre a afirmação de Paulo aos Efésios de que somos salvos apenas pela fé. Isso é um fato incontestável, como também o é o que diz Tiago em sua epístola sobre um tipo de fé que não tem desdobramentos e, por conta disso, é inoperante e inconseqüente.
Depositar todas as fichas neste tipo de fé nos coloca numa perigosa zona de conforto. Aí o sujeito diz: “o sangue de Jesus já me lavou dos meus pecados e eu tenho a certeza da salvação”. Neste contexto, esta afirmação revela duas coisas: a presunção de alguém que ainda não entendeu que foi salvo pela fé, mas chamado para as obras e a clássica acomodação que se instaurou no coração de muitos entre o Povo de Deus. A vida cristã não termina quando eu digo sim a Jesus, apenas começa! Da mesma forma, dogma não é ponto de chegada, mas de partida...

Só para clarear um pouquinho nossa consciência entorpecida e, não raro, cauterizada, de que é necessário investimento espiritual para podermos avançar na vida cristã, dá uma olhadela nos textos abaixo:

Segui o amor e procurai, com zelo, os dons espirituais. 1ª Co. 14:1
Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus. Mt. 22:29
Apresenta-te a Deus aprovado, como obreiro que... maneja bem a palavra.... 2ª Tm. 2:15
Sejam estes... experimentados; e, mostrando-se irrepreensíveis, exerçam o diaconato. 1ª Tm. 3:10
Todo atleta em tudo se domina... para alcançar uma coroa corruptível; nós... a incorruptível. 1ª Co. 9:25
Finalmente, irmãos, nós vos rogamos e exortamos... que continueis progredindo cada vez mais. 1ª Ts. 4:1
Até que todos cheguemos... à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo. Ef. 4:13
Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça... Mt. 6:33
Assim, pois, amados meus... desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor. Fp. 2:12
Tendo... tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza... aperfeiçoando a nossa santidade. 2ª Co. 7:1
Mesmo que o nosso homem exterior se corrompa... o homem interior se renova de dia em dia. 2ª Co. 4:16
Também vós, visto que desejais dons espirituais, procurai progredir... 1ª Co. 14:12
Desejai ardentemente... o genuíno leite espiritual... para crescimento da vossa salvação. 1ª. Pe. 2:2

Como pastor ouço todos os dias pessoas que reclamam de não conseguir progresso na vida; muitos vivem de fazer “barganhas com o sagrado”. Outros tantos, que estão conseguindo algum “sucesso”, afirmam estarem insatisfeitos, incompletos, ansiosos, inquietos. Tem ainda os que chegaram ao “topo da pirâmide”, os “bem sucedidos” mas, curiosamente, sentem-se vazios, dessignificados. Eu os olho e lhes digo com todo o amor, com respeito e reverência “o que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma”.

Quanto você tem investido em sua vida espiritual? Quanto tempo gasta com as Escrituras? Ainda ora? Está envolvido com alguma atividade que promova o Reino de Deus? Está sendo discipulado, pastoreado, aconselhado? Quantos livros leu no ano que passou que lhe acrescentou conhecimento bíblico/teológico?

Agora me responda, sinceramente, você acha que, sem fazer nada, absolutamente nada, irá aprofundar sua vida com Deus? Me desculpe a sinceridade, não sei nem se você cresceu para o “lado de fora”, mas cabe-me perguntar-lhe: você cresceu algum centímetro para o “lado de dentro”?

Carlos Moreira é culpado por tudo o que escreve. Foi workaholic durante alguns anos e só colheu tristeza e solidão. Hoje prefere investir no Reino de Deus ao invés do "reino dos homens". Ele posta aqui no Genizah e na Nova Cristandade.

sábado, 8 de janeiro de 2011

O "cristianismo instantâneo"



Por: A. W. Tozer

Não é de admirar que o país que deu ao mundo o chá instantâneo e o café instantâneo, havia de dar também o cristianismo instantâneo. Se essas bebidas não foram de fato inventadas nos Estados Unidos, foi certamente neste país que receberam o impulso propagandístico que as tornou conhecidas na maior parte do mundo. E não se pode negar que foi o fundamentalismo americano que trouxe o cristianismo instantâneo às igrejas que procuram ser fiéis ao Evangelho.

Esquecendo por ora o romanismo e o modernismo em seus diferentes disfarces, e focalizando a nossa atenção no grande corpo de crentes evangélicos, vemos logo quão profundamente a religião de Cristo tem sofrido na casa dos Seus amigos. O gênio americano, capaz de conseguir que as coisas sejam feitas depressa e facilmente, sem muita preocupação com a qualidade e durabilidade, produziu um virús que infeccionou toda a igreja evangélica nos Estados Unidos e, através de nossa literatura, os nossos evangelistas e os nossos missionários propagaram pelo mundo.

O cristianismo instantâneo entrou em cena com a era da máquina. Os homens inventaram as máquinas com dois propósitos. Queriam obter trabalho importante com maior rapidez e facilidade do que se poderia conseguir manualmente, e queriam executar o trabalho de modo que pudesse dedicar tempo a objetivos mais de acordo com seus gostos, tais como lazer ocioso e o gozo dos prazeres do mundo. Ora, o cristianismo instantâneo serve aos mesmos propósitos, na religião. Dispensa o passado, garante o futuro e dá ao cristão liberdade para seguir as mais refinadas luxúrias da carne com plena bos consciência e com um mínimo de restrição.


Com "cristianismo instantâneo" me refiro ao tipo de cristianismo que se encontra em quase toda parte nos círculos evangélicos, nascido da noção de que podemos desincumbir-nos da nossa total obrigação para com as nossas almas por um só ato de fé, ou no máximo dois, ficando daí por diante aliviados de toda a ansiedade quanto a nossa condição espiritual. Somos santos por vocação, nossos mestres continuam a falar-nos, e nos é permitido inferir disto que não há motivo para procurarmos er santos pelo caráter. Está presente aqui uma qualidade automática e definitiva, completamente fora do estilo da fé do Novo Testamento.

Neste erro, como em muitos outros, há certa porção de verdade compreendida imperfeitamente. É a verdade que a conversão a Cristo porde ser repentina, e muitas vezes o é. Onde o fardo do pecado tem sido pesado, a percepção do perdão é normalmente clara e alegre. O deleite experimentado no perdão é semelhante ao grau de repugnância moral pelo pecado sentida no arrependimento. O verdadeiro cristão encontrou-se com Deus. Ele sabe que tem a vida eterna e provavelmente sabe onde e quando a recebeu. E também aqueles que foram cheios do Espírito em sua regeneração, têm nítida experiência de serem cheios. O Espírito se anuncia a Si próprio, e o coração renovado não tem dificuldade em identificar a Sua presença quando Ele inunda a alma.

Mas o problema é que nós tendemos a pôr a nossa confiança em nossas experiências e, em conseqüência, interpretamos mal todo o Novo Testamento. Estamos sendo constantemente exortados a tomar uma decisão, a resolver a questão já, a cuidar de uma vez da coisa toda - e os que nos exortam estão certos em fazê-lo. Há decisões que podem e devem ser tomadas uma vez para sempre. Há questões pessoais que podem ser resolvidas instantâneamente, por um determinado ato da vontade (no chamado eficaz) em resposta a fé alicerçada na Bíblia. ninguém iria negar isto; certamente eu não farei.

A questão posta diante de nós é: Exatamente quanto se pode realizar nesse ato de fé? Quanto ainda fica por ser feito, e até onde nos pode levar uma só decisão?

O cristianismo instantâneo tende a tornar a fé um ato terminal e assim abafa o desejo de progresso espiritual. Não entende a verdadeira natureza da vida cristã, que não é estática, mas dinâmica e tendente a expandir-se. Omite o fato de que o novo cristão é um organismo vivo tão certamente como o é um bebê, e precisa de nutrição e de exercício para crescer normalmente. Não leva em consideração queu o ato de fé em Cristo ocasiona uma relação pessoal entre dois seres morais inteligentes, Deus e o homem reconciliado, e nenhum encontro singular entre Deus e uma criatura feita a Sua imagem poderia jamais ser suficiente para estabelecer uma amizade íntima entre eles.

Ao tentarem envolver tudo o que constitui a salvação numa só experiência, ou duas, os advogados do cristianismo instantâneo descprezam a lei de desenvolvimento vigente em toda a natureza. Ignoram os efeitos santificantes do sofrimento, de levar a cruz e da obediência prática. Passam de largo pela necessidade de treinamento espiritual, pela necessidade de formar hábitos corretos e pela necessidade de lutar contra o mundo, o diabo e a carne.

Uma indevida preocupação com o ato inicial de crer tem criado em alguns uam psicologia de contentamento, ou pelo menos de ausência de expectação. Em muitos isso infundiu certo desapontamento com a fé cristã. Deus parece estar demasiado longe, o mundo está perto demais, e a carne é poderosa demais para que se lhe possa resistir. Outros se alegram ao aceitar a certeza de uma bem-aventurança automática. Esta os exime da necessidade de vigiar, lutar e orar, e os deixa livras para gozarem este mundo enquanto esperam o mundo vindouro.

O cristianismo instantâneo é uma ortodoxia do século vinte. Fico a indagar se o homem que escreveu Filipenses 3.7-16 o reconheceria como a fé pela qual ele finalmente morreu. Temo que não.

Fonte: [ Josemar Bessa ]

Via: [ Ministério Batista Beréia ]